"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Brexit: quando o Reino deixa de ser Unido

Nicolas Sarkozy, ex-presidente francês da Direita do país, alertava, no ano de 2007, para a «consciencialização de que os nossos destinos estão agora tão interligados que não mais podemos ignorar o que se passa nos outros países», um dos «aspetos mais positivos da globalização», acrescentou.
A meu ver, o problema do referendo do Brexit não é o facto de ter sido consultada a vontade do povo britânico, mas sim, com ele, terem emergido populismos desmedidos, apoiados pelos conservadores, os quais se aproveitaram deste frágil momento para reproduzir discursos baseados num nacionalismo bacoco, xenofobia, intolerância e em políticas anti-imigração de um carácter protecionista extremamente elevado. Desengane-se quem pensa que foram apenas fatores económicos que despoletaram esta decisão. Foi, principalmente, a vitória do preconceito face à razão. Mascaram-se de discursos independentistas e afirmam o desejo de obter uma maior autonomia, mas deixem-me relembrar que o Reino Unido conseguiu ter cláusulas excepcionais em vários acordos da UE, nem tampouco partilham a mesma moeda. O Reino Unido sempre zelou pelos seus interesses, mesmo que isso significasse complicar ou atrasar os processos de tomada de decisão, com uma capacidade de negociação notável.
Enquanto futura politóloga devo olhar para os números e digamos que eles não me agradam. Desde logo, nota-se um grande fosso entre gerações: os eleitores mais jovens votaram para ficar, já os mais velhos para sair: o que significa que quem mais votou para sair menos tempo viverá com essa decisão, contrariamente, os mais jovens desejavam continuar a viver dentro da UE. Os adultos de amanhã acreditam no projeto europeu. Além disso, alguns jornais afirmam que, somente após o referendo, os britânicos procuraram saber no Google o que é a UE, o que me assusta, pois revela a possibilidade de terem ocorrido votos com uma certa inconsciência.
Independentemente das famílias políticas, para mim, este referendo será sempre um retrocesso. O que vai acontecer à livre circulação de pessoas e bens? A partir de agora, o Reino Unido fica livre de desenhar novas políticas de asilo, de migração e políticas protecionistas, não só económicas, mas também, ao nível da cidadania. E os emigrantes a viver/trabalhar no Reino Unido?
Os britânicos perderam muito mais do que o que ganharam com este referendo. A UE protagonizou avanços muito positivos que, ao fim de tantos anos, não conseguimos reconhecer no nosso quotidiano por os termos dado quase como que dados adquiridos. A comunidade não se representa só pelo seu aspeto económico, mas por um conceito que muito admiro: o de cidadania europeia. Neste sentido, a UE não é um projeto falhado! Trouxe-nos paz e, como sempre ouvi dizer, a União faz a força. Aqui não é exceção. Tenho muitas dúvidas que a globalização nos deixe viver sozinhos.
Voltando aos números, a Inglaterra e o País de Gales votaram pela saída, mas vale a pena lembrar que a Escócia e a Irlanda do Norte desejavam ficar na UE, pelo que este desfasamento pode provocar a desunião dentro do Reino União e estimular estas “nações sem Estado” a lutar pela sua independência. Em Abril passado, quando participei numa conferência internacional na Universidade de Santiago de Compostela, precisamente sob o tema «Stateless Nations and Europe», ainda não se previa este desfecho mas já os especialistas alertavam para a possibilidade de existir esta divergência dentro do Reino Unido.
As vozes euro-cépticas já se aproveitaram deste momento para convencer os europeus e o mundo de que a UE "está a morrer" ou de que este é o fim da comunidade europeia. Contudo, devo dizer que acredito no futuro da União e acredito que, como um órgão vivo que ela é, este será apenas o fim de um capítulo da história da UE e o início de um outro, representando não só uma lição para os líderes da comunidade, como também, uma nova oportunidade para acreditarmos neste projeto.
Torna-se fundamental reviver a UE e recolocar o projeto comunitário no caminho certo, que é, no fundo, apostar numa ação capaz de atuar em todos os Estados-Membros. Trabalhar juntos e em uníssono fará com que nos reconciliaremos com o projeto europeu.

Acreditei que o Bremain saísse vencedor do referendo. Pelos vistos, estava enganada. 


Rute Rita Maia