"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Beleza Magoa ["Pretty Hurts"]


Beleza. Segundo o dicionário, termo usado para fazer referência a uma perfeição agradável à vista

e que cativa o espírito, uma pessoa formosa. Desde quando é que a beleza tem de estar associada à perfeição é que eu não sei...
São milhares. Milhões. As meninas e as mulheres que lutam diariamente por atingir tal padrão. O de ser-se belo. Calam as suas inseguranças e fingem ser quem não são. Brincam com o fogo. Porque foi assim que lhes ensinaram. Porque lhes foram dados modelos a seguir. Desde que se levantam até que se deitam. A sociedade educa-as para aspirarem a papéis de beldades. É preciso ter pessoas bonitas. Especialmente mulheres. E jovens. É preciso implementar a ideia de que temos de ser como elas.
Deixam de se arranjar por vontade própria. Passando a fazê-lo por terceiros. Pelo o que irão os outros julgar. Há que parecer bem. Torna-se um vício. E quanto mais o alimentamos, menos de nós gostamos. Um dia deixamos de nos ter em consideração sequer. A nossa opinião já não vale. Quando acordamos já não somos quem éramos no dia anterior. E tal acontece. Dia após dia após dia. A mensagem que vem de fora ocupa cada vez mais espaço na tua mente. Entranha-se qual injeccção de morfina qual quê. Como se de repente somos confrontadas com a ausência de dor. Como se tudo se tivesse esvaído e o que nos resta agora é a mascara com que vamos encarar o mundo lá fora. É só menos um quilo, pensamos nós. Não vai fazer diferença. Mas faz a diferença.
Se nos dizem que estamos bem, já não acreditamos. Para quê? Estar bem não chega. Há que estar perfeito. Porém, essa busca pela perfeição é, na verdade, a nossa própria ruína. Torna-se uma doença. Que nos corrompe sem mais não. E por mais nos tentemos melhorar. Já não somos capazes de o fazer sem ajuda. Perde-se as forças à medida que se perderam os quilos. E não se trata somente das forças físicas. Já é a nossa alma que precisa de tratamento.
O passo seguinte, muitas vezes, é vingarmo-nos no exercício. Esquecemo-nos entretanto que já nada irá aliviar a nossa dor. A dor de termos perdido quem somos ao longo deste percurso. É como viver num corpo que não reconhecemos como nosso. Nada irá aliviar esta dor. Queremos libertarmo-nos deste corpo. Deste maldito corpo que só nos dá dores de cabeça e pesadelos. Alguém que nos liberte! Mas ninguém consegue... Está tudo na alma. Em tudo o que nos fora dito e mostrado durante anos a fio... Sorrisos plásticos já não são o suficente. A negação também não. Já percebemos que não somos quem éramos. E pior do que isso, sabemos que, muito provavelmente, a criança de cinco anos que um dia fomos deve estar cheia de vergonha da pessoa em que nos tornamos. Onde está essa menina?
O problema é que, no fundo, sabemos que os últimos responsáveis por esta situação fomos nós. Que permitimos que a pessoa que éramos e o amor-próprio que sentíamos se esvaísse por entre os dedos. Que permitimos sermos mais uma boneca no meio de tantas. Que não fomos sóbrias o suficiente para perceber que ninguém nos pode mudar e moldar aos seus próprios gostos e interesses.
E só quando chegar essa noite gélida. A noite em que nos iremos render por completo e entregarmo-nos a quem nos levará escuridão adentro. Quando a solidão já nos estrangula e não vemos alma alguma à nossa volta. Aí perguntamo-nos se valeu a pena. Se os sacríficos valeram a pena. E, por breves momentos, admitimos que não. Que fomos umas bestas por termos acreditado que a nossa felicidade podia estar sobre o controlo de outro alguém. E não no nosso, onde sempre deveria ter estado. Já é mais do que a aparência. Mas sim, uma pessoa que se mudou. O nosso reflexo sume-se diante dos nossos olhos. E aí perguntamo-nos: foste feliz contigo mesma?
Não.
 
 
Nota: "Pretty Hurts", de Beyoncé teve a sua quota-parte no motivo pelo qual publiquei este texto. Espero que vos inspire tanto quanto me inspirou a mim.

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