"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

domingo, 22 de abril de 2012

A nação do Norte

Miguel Esteves Cardoso, esse cronista talentoso, inspirou-me para trazer até aos meus rascunhos o Norte; não fizesse eu parte desta “nação”. Não melhor ou pior que todas as outras regiões, mas decerto, com uma característica singular e inconfundível! E que característica…
Somos um povo envaidecido, é certo que por vezes nos tornamos ensurdecedores. Se por um lado os rostos enrugados e o olhar pesado de uma vida madrasta espelham uma alma triste, por outro lado, a azáfama e audácia das nossas gentes preenchem as ruas de ânimo e vida. Despimos a humildade dos pudores de quem é nobre - não o somos tanto assim, infelizmente. Mantemo-nos crus sem vergonha. Sem preconceito. Usamos expressões canibalescas para expulsar o que sentimos. E não vemos nisso um pecado. Somos naturalmente expressivos, desavergonhados e acolhedores. Temos a fervura de uma crença efusiva de que há saída para tudo. E que fase melhor virá. Mantemos tradições que, com tremendo orgulho, gostamos de exibir aos que nos visitam. Damos uma bofetada tão depressa quanto um abraço, porque achamos os apertos de mão uma coisa para chiques. Gostamos disso. Dessa diferença entre nós e os outros. Podíamos mandar em todo o mundo. Suar não é algo que nos estranhe. Gostamos de ver telenovelas e futebol, de cochichar e de dizer que o nosso filho é mais educado do que o da vizinha. Não é por mal; amamos o que nos pertence, seja um bem comum ou individual. Mantemos uma autoestima baixa e isso será provavelmente a nossa maior fragilidade. Somos uma constante contrariedade.
Tudo se grava nos genes destas gentes, cuja pronúncia e perfume as distinguem em todo o mundo. Não há bravura como a nossa. Capacidade de desenrasque como a nossa. Humor como o nosso. E chorar, chorar como o nosso. Quando bate forte essa saudade do que partiu, temos um lamentar peculiar que, embora provenha de tristeza, mais se assemelha a uma cantiga. O cantar de um mal para que não se apodere do que nos resta. E depois temos o paladar das nossas uvas agrestes que nos faz correr mundo. E quanto nós gostamos que o mundo fale de nós! Também gostamos de falar dele, de dizer que lá «é que é». É habitual pisarmo-nos um pouco a nós mesmos. Mas se alguém de fora o fizer, a casa vem abaixo pela certa!

Rute Rita

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