"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Águas tormentosas

Abro os olhos.

Sinto o chão quente e irregular por baixo de mim. O azul do céu está vedado por nuvens cinzentas. Nunca vi vento tão inquieto… Ouço o mar, as ondas a bater nas rochas com uma força imensa. Onde estou eu afinal? Ao levantar reparo estar numa falésia. Estarei a sonhar?

Não estou só. A poucos metros de mim reparo uma figura: «Desculpe, pode ajudar-me? Que sítio é este?», digo eu, mas resposta é coisa que não obtenho. Será que não me ouvira? Aproximei-me e voltei a repetir a questão. Nada saiu da sua boca.

À medida que me aproximava daquele ser, começo a aperceber-me de novas características da enigmática figura: era uma rapariga, ainda jovem. Não era feia, mas algo atacava o seu rosto – não era, com certeza, nenhum animal e o Sol permanecia impotente face à grande muralha cinza que se abatia por cima de nós; era algo vindo do seu interior. Continuei a dirigir-me a ela, a cada passo a curiosidade aumentava. Que fazia ali imóvel, a olhar para as águas bravas? Toquei-lhe num ombro e nem um movimento; chamei-a e a mudez teimava em silenciar o ambiente. Algo estava errado…

Finalmente vi a sua face: realmente era bonita, os olhos pareciam negros à falta de luz e eram de tal forma expressivos e cativantes que pareciam ler-me por dentro. Mas da mesma maneira que o seu olhar penetrava os meus pensamentos, o meu lia a sua expressão vaga e carregada de sentimento com igual perspicácia.

Na tormenta do mar, via aquela que tinha dentro de si. A força dela deixava-a confusa, sem rumo. Por mais que tentasse acalmá-la ainda não conseguia impedir o seu regresso. O seu coração falava através dos seus olhos: estava cansado e frágil, mas não desistiria da luta. Iria até ao seu último batimento de revolta, em busca de uma luz para guiar este corpo a quem dá vida.

Entendia que ela estava no seu mundo, a pacificá-lo, a tentar reacender a luz que a traria de volta para a realidade. A diferença é que, quando voltasse, teria a força para domar o mar e as nuvens e poderia sorrir de novo, nada a impediria. Apenas falta a luz, mas onde está ela?

De repente, um monte ergue-se das águas e quebra as nuvens. Vê-se um pequeno raio de Sol. Será este o caminho que ela espera?

Vou caminhando até lá. Pelo caminho vou deixando as migalhas na minha busca para que ela possa igualmente encontrar a luz e tomar estas nuvens e este mar horrível, acalmando o seu mundo e dando uma nova hipótese a si mesma de «re-sorrir».

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